30 de setembro de 2013 Tópicos: Assuntos Legislativos

Entrevista com professor Wim Voermans: “Vejo no Brasil vontade política para superar a desigualdade social”

Nos últimos anos, o professor Wim Voermans, da Universidade de Leiden (a mais antiga da Holanda), viajou o mundo para conhecer e estudar os sistemas de avaliação de impacto de leis e o processo legislativo de vários países. Antes de chegar ao Brasil semana passada, esteve na China e na Índia, dois gigantes emergentes que atraem as atenções do mundo por seu forte crescimento econômico e desafios sociais. Mas é o Brasil que chama a atenção do professor. “O que considero particularmente impressionante é que há uma vontade política para superar a desigualdade social, combater a pobreza e elevar o padrão da sociedade”, afirmou em entrevista concedida ao portal Pensando o Direito.

Voermans é Presidente da Associação Internacional de Legislação, já trabalhou para órgãos como a Comissão Européia e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), é um dos maiores especialistas do mundo em técnica legislativa e análise de impacto legislativo, e está no Brasil a convite da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (SAL/MJ) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para capacitar servidores envolvidos com o processo de elaboração normativa em questões referentes à técnica legislativa, análise de impacto legislativo e sobre como fazer políticas públicas baseadas em evidências empíricas. Além disso, o professor dará nesta segunda-feira (30/9) uma Conferência Aberta na Universidade de Brasília (UnB) com o tema “O que faz as pessoas obedecerem as leis?”

Saiba mais aqui sobre a Conferência na UnB.

“Quando soube da oportunidade de vir para o Brasil, agarrei sem pensar duas vezes porque estava muito curioso para saber como esse modelo desenvolvido aqui funcionava e era operacionalizado. E vi que os agentes públicos estão trabalhando para colocar em prática esse modelo, indo a campo onde os problemas estão para diagnosticá-los e encontrar soluções”, disse Voermans, destacando também o grande esforço do Brasil em estabelecer políticas públicas que protejam o meio ambiente, principalmente na Amazônia. “A política brasileira está preocupada com a questão da sustentabilidade para o futuro.”

Confira abaixo a entrevista que fizemos com o professor Voermans:

O Projeto Pensando o Direito vem trabalhando no Brasil para articular mais e melhores parcerias do Poder Público com o meio acadêmico, contribuindo para a produção de pesquisas empíricas em Direito e a democratização do processo legislativo. Como se dá essa relação na Europa? Há uma maior aproximação entre a academia e governos? Quais os benefícios dessa associação para a sociedade?

Em alguns países, como Grã-Bretanha, Holanda, Suécia, sim. Mas nem tanto na França, Espanha e em outros. Há diferenças, temos 28 países na União Europeia e muitas diferenças. É bom que a academia e os governos tenham essa aproximação. Mas a questão tem dois lados. Eu faço muitos trabalhos para a Universidade de Leiden como professor para o governo. Eles me perguntam se estou interessado em fazer pesquisa, geralmente comparando sistemas e leis, e se eu aceitar, eles me contratam. Não temos uma relação permanente. É assim que funciona também com a Comissão Europeia. E sim, penso ser uma boa coisa ter essa aproximação, que os governos convidem as universidades para apresentarem estudos acadêmicos. É melhor do que pedir o mesmo a empresas de consultoria. Sou favorável a esse modelo, mas não sei se ele serve a todo e qualquer país. Eu soube que no Brasil algumas universidades relutam em fazer esse tipo de pesquisa a convite do governo, afirmando que assim não conseguem fazer pesquisa fundamental. Eu nunca tive esse problema porque sou eu quem decide se farei ou não um projeto indicado pelo governo. Se eu aceitar, terei liberdade acadêmica para fazer do jeito que achar melhor.

Há 20 anos, também na Holanda, muitas universidades relutavam em aceitar pesquisas indicadas pelo governo, afirmando que estavam assim querendo determinar a agenda acadêmica. Mas isso nunca foi a questão central, é pegar ou largar. As universidades são financiadas pelo governo para ensinar e fazer pesquisa fundamental, pensamos ser algo necessário e muitos dos projetos são importantes e bons para a universidade, assim como para o governo. E dispensamos muitas outras, que não nos interessam.

Para a sociedade, vejo dois benefícios. Antes de mais nada, dá um maior campo de ação para a pesquisa acadêmica. E faz com que a universidade perceba elementos de pesquisa que talvez não aparecessem internamente. Você aprende com a prática. Boa parte das pesquisas que fiz nos últimos 10 anos tem a ver com sistemas de avaliação de impacto de leis constitucionais e processos legislativos e eu nunca poderia ter viajado o mundo para ver os tipos de sistemas existentes sem o financiamento do governo. E assim você vê realmente como os governos operam.

Como funciona a análise de impacto legislativo na Europa? É um bom modelo a ser aplicado no Brasil?

Temos dois níveis na Europa: o dos países membros e da União Europeia em si. A legislação da União Europeia é superior à ordem legal dos países membros. Ao nível da União Europeia, há um sistema rigoroso de avaliação de impacto legislativo. Toda proposta passa por essa avaliação, há um conselho de avaliação de impacto na Comissão Europeia que analisa tudo antes de o Parlamento Europeu dar sua posição final. Se olhar para os estados-membros, há sistemas diferentes. A maioria deles são muito parecidos com o Brasil nesse sentido: há leis que nem sempre são implementadas e outros tipos de problemas.

Ter um rigoroso sistema de análise de impacto legislativo tem uma série de vantagens: você saberá qual o custo da regulamentação, quais serão os efeitos da legislação, terá uma legislação mais transparente, baseada em mais evidências. Mas há desvantagens também: você perde espaço para manobras, porque tudo está discriminado e explicitado no papel, é algo que tem um custo alto e às vezes não encaixa no ciclo normal da política, torna determinadas ações mais lentas, por exemplo.

Na União Europeia, esse modelo de análise de impacto legislativo foi uma resposta a um problema que a Comissão Europeia tinha, por isso é muito difícil dizer que outros países deveriam ter algo similar. A OCDE é um forte defensor do modelo e há realmente muitas vantagens, mas a maior parte das vezes, bons e fortes sistemas de análise de impacto legislativo são respostas a um problema. Nos Estados Unidos, eles tinham um problema constitucional; na União Europeia, a Comissão tinha um problema de legitimidade, os países membros reclamavam que havia muita intervenção em seus assuntos internos, por meio da legislação, então a Comissão Europeia teve que elaborar uma forma de tornar as coisas mais transparentes, “vejam, aqui está o problema, vejam as evidências, vocês podem confiar no que estamos fazendo”.

Estamos discutindo no Brasil atualmente a reforma do Código Penal, que é de 1941. Nesse debate, muitas das propostas apresentadas prevêem o endurecimento das penas como parte da solução. O senhor defende, como muitos juristas de todo o mundo, que “não é a dureza da pena, mas a certeza da punição que garante o cumprimento da leis”. Em quais evidências empíricas e estudos o senhor se baseia para tal afirmação?

Sempre haverá criminosos, pessoas que usam o crime como ‘profissão’. São minoria na população, mas atraem muita atenção. E essas pessoas não se deixam abalar por penas mais duras, de qualquer forma. Agora, as pessoas comuns, o que as motiva a obedecer à lei? Fizemos algumas pesquisas sobre isso. Não é porque elas temem a dureza das penas. Na maioria das vezes elas simplesmente não sabem. A dureza das penas é um fator, mas não é o principal. A principal motivação para as pessoas obedecerem às leis é que elas querem estar em um grupo social, não querem o estigma de terem burlado a lei. A maioria das pessoas obedecem porque pensam que é certo, que é legítimo e mais ou menos querem estar no meio de sua classe social. Se você estiver na rua com alguns amigos e for multado pela polícia, terá um sentimento de vergonha. É uma questão moral, de certa forma, às vezes você não está totalmente convencido de que tem que obedecer a alguma regra, a considera estúpida, mas obedece assim mesmo. Há uma mistura de emoção, racionalidade e fatores sociais.

Uma pesquisa feita nos Estados Unidos com 12 mil pessoas perguntava “por que você obedece à lei?” e a maioria respondeu que “estou moralmente convencido de que é o certo” ou “estou moralmente convencido que o bom comportamento é bom para a sociedade”. Essa mesma pesquisa levantou as respostas de 5 ou 6 mil prisioneiros também. Neste caso, 90% disse que alguma coisa havia acontecido: circunstâncias pessoais, algum acidente, alegavam inocência ou que não tinham a intenção de burlar a lei. Apenas 5% disse “é minha profissão, sou ladrão e não vou parar de fazer isso”. Mesmo em lugares que preveem a pena de morte. A pena de morte faz apenas uma coisa: se você tem pena de morte, então haverá mais chances de haver mortes em série. Isso devido à  psicologia do ser humano. Se você atira em sua esposa e mata, você será condenado à pena de morte, então acaba matando a família toda. É isso que acontece.

Mas a pesquisa previa também uma outra pergunta: “Você acha que, como você, outras pessoas estão moralmente convencidas também de que é importante seguir leis?” Aí, aconteceu o reverso. A maioria respondeu que as outras pessoas não eram moralmente convencidas de que é importante seguir a lei. Elas creem que os outros não são confiáveis, e precisam de punições severas para se manterem na linha. E aí está a dinâmica que leva as pessoas a defenderem punições mais duras para quem não segue a lei, porque elas não acreditam que as outras pessoas também estão moralmente convencidas.

Essa pesquisa mostra que as pessoas estão em geral moralmente convencidas de que é preciso seguir a lei, que há um acordo social para que isso aconteça. Mas se você permite que alguém não cumpra esse acordo, há uma indignação moral que exige a sua punição. E se todos acabam não cumprindo a lei, então quem estava indignado pensa “bom, agora estou livre para também não cumprir esse acordo”.

Qual a diferença entre Direito e Justiça?

Essa é uma grande pergunta filosófica. As pessoas têm ideias de Justiça. Não há um nível absoluto de Justiça. É muito difícil determinar exatamente o que é Justiça. Tratamento justo, comportamento justo, direitos humanos, igualdade de direitos para todos, governo da lei são noções que dividimos todos como qualidades inerentes à Justiça.  São os princípios fundamentais. Portanto, toda lei deve ter esses princípios como pré-requisitos mínimos. Mas isso não responde à pergunta se toda lei se equipara à Justiça. Ter pobreza num país enquanto grandes empresas ganham muito dinheiro em grandes negócios é injusto em termos da Justiça absoluta, mas é legal pela regulamentação existente. Há quem defenda que as leis que ajudam as grandes empresas ajudarão também a melhorar a economia do país e, consequentemente, a melhorar a qualidade de vida da população. Esse é o jeito americano de ver as coisas. Esse sistema é injusto para uns, e não para outros.

O senhor esteve recentemente na China e na Índia, países que dividem as atenções do mundo com o Brasil em termos de desenvolvimento, crescimento econômico e dinamismo social. Como o senhor vê o Brasil em relação aos outros dois gigantes emergentes?

Estive recentemente na China convidado pelo Congresso Nacional do Povo (mais alto organismo governamental do legislativo chinês) e o que pude perceber é que a economia está crescendo muito rapidamente. Mas isso gera problemas. O que se questiona é se esse crescimento vertiginoso é sustentável. É um país com mais de 1 bilhão de pessoas, e eles tiveram sucesso em ter crescimento econômico, espalhando riqueza e estabelecer um tipo de classe média, mas para isso arrebentaram com seu meio ambiente. E o modelo econômico deles é vulnerável, para dizer o mínimo, porque eles constroem antes de ter certeza se há demanda; em essência estão construindo casas que são muito caras para as pessoas pagarem. Esse tipo de economia planejada tem seus problemas. Eu tenho algumas questões se vai ser sustentável no futuro. Mas fizeram bastante para atacar a pobreza, o que é ainda um grande problema na China. Uma classe média está se formando; são muito comerciais, muito ambiciosos enquanto país.

Estive na Índia um ano antes. Eles têm uma economia que cresce muito também, mais de um bilhão de pessoas também, mas o que impressiona mais a quem viaja pelo país é a desigualdade social. A riqueza flui não nos bolsos de todos na Índia, mas apenas em algumas classes. Esse é um grande problema para o futuro deles e poderá resultar em insatisfação social.

No Brasil, vemos que há também uma economia dinâmica, talvez ainda não suficientemente dinâmica, mas tem se saído relativamente bem. O que considero particularmente impressionante é que há uma vontade política para superar a desigualdade social, combater a pobreza e elevar o padrão da sociedade. Há uma coesão social, uma vontade em fazer. É, claro, muito difícil fazer isso, há todos os tipos de desafios e obstáculos no caminho para se conseguir tais conquistas. Não sou economista, essas são impressões que tenho, mas para mim o Brasil tem hoje o modelo mais sustentável em comparação aos outros países emergentes. O foco, no sentido político, está no combate à desigualdade social e ter um estado de bem-estar social decente, oferecer melhor educação à população, e isso me impressionou. Não vi isso nos outros dois países.

Quando soube da oportunidade de vir para o Brasil, agarrei sem pensar duas vezes, porque estava muito curioso para saber como esse modelo desenvolvido aqui funcionava e era operacionalizado. E vi que os agentes públicos estão trabalhando para colocar em prática esse modelo, indo a campo onde os problema estão para diagnosticá-los e encontrar soluções.

Outra coisa que me impressiona, principalmente em comparação com o que vi na China, são as políticas existentes que tentam proteger o meio ambiente, principalmente na região da Amazônia. Eu sei que o Brasil precisa crescer, tem uma grande população que precisa de atenção, então há toda sorte de pressão para ir à região amazônica e torná-la em uma grande zona industrial. E por isso me impressiona ver que vocês não estão fazendo isso. A política brasileira está preocupada com a questão da sustentabilidade para o futuro.

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8 comentários em “Conheça o projeto Pensando o Direito”

  1. Joseane Rocha disse:
    Quando haverá outra edição do evento?
    Os temas abordados na edição anterior foram muito estimulantes para o investimento em tecnologia da informação e comunicação.
    Joseane Rocha,
    https://www.educamundo.com.br
  2. duda disse:
    Adorei gostaria muito de participar
    De projeto
  3. Thelma Regina da Costa Nunes disse:
    Adorei,gostaria muito de participar desse participar desse projeto.
  4. Maria Sueli Rodrigues de Sousa disse:
    A página do ipea não abre desde ontem que tento. Vcs sabem informar o que está ocorrendo?
    1. Pensando o Direito disse:
      Olá, a página está com um problema técnico. Iremos prorrogar as inscrições.
  5. Antônio Menezes Júnior disse:
    Pesquisa super relevante, muito bem estruturada e indica conclusões interessantes, algumas já conhecidas no cotidiano de muitos que trabalham no ramo, e a algumas questões ainda pouco decifradas. Tive o privilégio de conhecer ao vivo, um conjunto de exposições dos próprios autores, meses atrás. Um extraordinário trabalho e produção de conhecimento. Atrevo-me apenas a sugerir que a pergunta inicial seja diferente da atual, para o futuro, e para reflexão. A pergunta inicial enseja uma relação direta entre alcances de um processo de regularização e os instrumentos jurídico-urbanísticos disponíveis, mas e as pessoas, e o conhecimento em torno deles ??? É sabido que os instrumentos em si não são autônomos, precisam ser conhecidos, discutidos, e sua implementação precisa ser ajustada a cada realidade. Portanto, melhor que a pergunta sugira o que é preciso para os instrumentos jurídico-urbanísticos tenham efetividade na realidade dos municípios.
  6. Roberto disse:
    Esse tipo de evento é realmente muito importante. alem de ser contra a corrupção, promove o desenvolvimento de idéias inovadoras.
    Aguardando pelo próximo evento

    Roberto
    https://metodologiaagil.com

  7. Humberto disse:
    Ótima atitude!!

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