24 de março de 2016 Tópicos: Pesquisas

Maternidade no cárcere

Pesquisa da série Pensando o Direito relata condições enfrentadas por grávidas no sistema prisional

Ana Gabriela Mendes Braga, doutora em criminologia e professora da Unesp, coordenou, ao lado de Bruna Angotti, professora da Universidade Mackenzie, uma equipe de pesquisadores para fazer um diagnóstico que subsidiasse a produção de políticas públicas para as mais de 35 mil mulheres presas no país cujo direito de ser mãe muitas vezes é violado. O resultado é a publicação “Dar à luz na sombra: condições atuais e possibilidades futuras para o exercício da maternidade por mulheres em situação de prisão”.

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Ana Gabriela falou com o Portal Pensando o Direito sobre sua pesquisa.

Sem escolha

Em nossa pesquisa, privilegiamos as penitenciárias de capitais, que é o que chamamos de realidade mais iluminada, o melhor que temos no sistema. Mas uma série de mulheres ainda está em cadeia pública, presas no interior. Elas estão ainda pior, porque dependem de uma vaga na unidade da capital para poder ficar com seus bebês. Caso não consigam, elas não têm opção. Quando a mulher não tem família, o bebê vai para abrigos. E, mesmo que consiga a vaga,  ela pode ter outros filhos na cidade, ou algum familiar que a visita. E aí tem que fazer uma escolha.

Quando ela não consegue a vaga, o direito de ficar com o bebê não é observado. Nesse caso, dois princípios do direito penal são violados de maneira brutal: o da intranscendência da pena e o que veda a pena perpétua.

As duas opções formam o que chamamos de falso paradoxo. Porque parte do pressuposto de que a mulher tem que estar presa. Estando presa, ou ela é separada do bebê e mantida presa, com todo o ônus dessa separação, ou é mantida presa com o bebê.

Alternativas legais

Nossa legislação e as regras de Bangkok, uma legislação internacional que o Brasil segue ou deveria seguir, preveem uma saída, que é a que defendemos: a não prisão dessa mulher. O Código de Processo Penal diz que as grávidas a partir de sete meses ou com gravidez de risco e as mulheres que têm sob sua responsabilidade crianças menores de seis anos ou com alguma deficiência poderiam cumprir a prisão preventiva em casa. Seria uma alternativa a esse paradoxo.

Dificuldades

A previsão é um aspecto processual, apenas antes de ela ser condenada. Outra dificuldade é que 70% dessas mulheres são presas por tráfico, que é crime hediondo, o que implica uma série de vedações. O tráfico é o crime que mais prende as mulheres. Isso acontece porque é um crime sem violência, que permite uma economia familiar da droga, ou seja, que a mulher cuide de casa, cuide do filho; esteja no mundo do crime sem precisar sair de casa.

Abandono

Quando uma mulher vai presa, a primeira pergunta que recai sobre ela é: “E seu filho? Você não pensou nisso?”, ou seja, é o julgamento moral dessa escolha. O impacto da prisão da mulher é muito maior sobre a família do que a prisão masculina.

E quem cuida do filho? Normalmente, o companheiro ou está preso também ou não toma essa responsabilidade. Então ele fica na linha matriarcal: a mãe – ou às vezes a cunhada – assume. Isso quando assume, porque, quando a mulher descumpre o papel que se espera dela e vai presa, sofre um abandono maior. As pessoas não levam as crianças para visitar, por exemplo. Há alguma rede de solidariedade – quase sempre formada por outras mulheres -, mas em um grau muito menor que a dos homens, embora elas precisassem muito mais.

Na nossa pesquisa, encontramos apenas um homem dando apoio para a mulher e o filho que estavam detidos.

Acesso desigual à Justiça

Também há uma questão de gênero quanto ao acesso à Justiça. Os homens têm uma ponte familiar mais forte, uma rede que os acompanha, não os abandona. Algum familiar vai pessoalmente à Defensoria Pública e faz essa ponte com a prisão.

Mas a maioria das mulheres não tem alguém na rua que esteja olhando por elas. Assim, há a falta de acesso à Justiça material, que é a falta de um advogado. Ou, muitas vezes, existe um defensor atuando, mas ele não consegue fazer o contato direto com a pessoa presa. Esse é um abandono subjetivo. Seria necessário ter alguém na unidade prisional pra dar esse feedback, o que poderia ser remediado com convênios com universidades.

Imagina: uma mulher que está presa, sem contato com a família e sem contato com o defensor, não tem a quem recorrer. A sensação de que ela está sozinha, sem ninguém olhando por ela, é muito forte. Se o defensor consegue a liberdade provisória, por exemplo, ela sai achando que foi Deus.

Outros países

Nós fomos até a Argentina porque lá também existe previsão de prisão domiciliar. Achamos que ela pudesse ter mais aplicabilidade que no Brasil, mas constatamos que não. Por quê? Para receber prisão domiciliar, a pessoa precisa de um domicílio, precisa se sustentar. Então quem acaba recebendo esse tipo de benefício ou direito é quem já tem alguma condição.

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As coordenadoras da pesquisa, Bruna Angotti e Ana Gabriela Braga

Respostas menos punitivas

A prisão domiciliar poderia ser vinculada a algum tipo de benefício previdenciário ou até ao Bolsa Família, que pudesse garantir o sustento ou o trabalho em casa. As mudanças legislativas têm que vir acompanhadas de política pública. Não adianta criar uma prisão domiciliar e jogar a mulher na casa com um bebê sem poder sair, sem poder trabalhar – e sem ter casa.

Na pesquisa, fazemos mais de 30 recomendações. Partimos do pressuposto – e todos a quem escutamos concordaram – de que lugar de criança não é na prisão. Mas também não é longe da sua mãe. Como tentar juntar isso?

  • Hoje a Lei de Execução Penal prevê que as instituições femininas sejam dotadas de creche. Mesmo quando ela é cumprida, há outras questões. Nós achamos que esses equipamentos devem ser externos, ligados à comunidade. 
  • Outra proposta é a ampliação do prazo de convivência para pelo menos um ano, prorrogado para um ano e meio – foi isso que ouvimos delas. Em vários locais aonde fomos, depois dos seis meses, a mulher tem que sair para dar lugar na fila.
  • Fizemos uma proposta para a falta de comunicação entre os âmbitos civil e criminal. Às vezes a guarda da criança está sendo julgada e o tribunal não sabe que a mulher está presa. No exemplo extremo, o juiz destitui a guarda sem ouvir essa mulher, que está presa sob o poder do mesmo Estado. Algumas mulheres não sabem o destino que tiveram os filhos.

Punitismo

Queremos respostas menos punitivas, mais criativas, mais ousadas. No Brasil, temos um punitismo exacerbado. A chamada Lei das Cautelares, de 2011, visou a dar ao magistrado outras opções para garantir o processo, além de prender. Mas estudos mostram que não foi uma lei que pegou. Os magistrados de forma geral preferem manter a pessoa presa. 

Nem sempre o argumento que prevalece é o melhor interesse da criança, como prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente, nem a situação familiar dela, mas é o fato de ter praticado tráfico. Essa despessoalização do Direito acaba acarretando essa opção pela punição em geral.

As crianças são uma população invisível; não aparecem nas estatísticas do sistema. Na prática, a maioridade penal já foi reduzida.

Leia a pesquisa aqui

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O Projeto Pensando o Direito é uma iniciativa da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e Cidadania, e foi criado em 2007 para promover a democratização do processo de elaboração legislativa no Brasil. Pesquisas A partir do lançamento de editais para a contratação de equipes de pesquisa, o Projeto mobiliza setores importantes da […]

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8 comentários em “Conheça o projeto Pensando o Direito”

  1. Joseane Rocha disse:
    Quando haverá outra edição do evento?
    Os temas abordados na edição anterior foram muito estimulantes para o investimento em tecnologia da informação e comunicação.
    Joseane Rocha,
    https://www.educamundo.com.br
  2. duda disse:
    Adorei gostaria muito de participar
    De projeto
  3. Thelma Regina da Costa Nunes disse:
    Adorei,gostaria muito de participar desse participar desse projeto.
  4. Maria Sueli Rodrigues de Sousa disse:
    A página do ipea não abre desde ontem que tento. Vcs sabem informar o que está ocorrendo?
    1. Pensando o Direito disse:
      Olá, a página está com um problema técnico. Iremos prorrogar as inscrições.
  5. Antônio Menezes Júnior disse:
    Pesquisa super relevante, muito bem estruturada e indica conclusões interessantes, algumas já conhecidas no cotidiano de muitos que trabalham no ramo, e a algumas questões ainda pouco decifradas. Tive o privilégio de conhecer ao vivo, um conjunto de exposições dos próprios autores, meses atrás. Um extraordinário trabalho e produção de conhecimento. Atrevo-me apenas a sugerir que a pergunta inicial seja diferente da atual, para o futuro, e para reflexão. A pergunta inicial enseja uma relação direta entre alcances de um processo de regularização e os instrumentos jurídico-urbanísticos disponíveis, mas e as pessoas, e o conhecimento em torno deles ??? É sabido que os instrumentos em si não são autônomos, precisam ser conhecidos, discutidos, e sua implementação precisa ser ajustada a cada realidade. Portanto, melhor que a pergunta sugira o que é preciso para os instrumentos jurídico-urbanísticos tenham efetividade na realidade dos municípios.
  6. Roberto disse:
    Esse tipo de evento é realmente muito importante. alem de ser contra a corrupção, promove o desenvolvimento de idéias inovadoras.
    Aguardando pelo próximo evento

    Roberto
    https://metodologiaagil.com

  7. Humberto disse:
    Ótima atitude!!

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